sábado, 28 de julho de 2012

JOGOS, ALEPPO E MONALISA


Esta foi a semana do começo dos jogos olímpicos. Depois de Pequim, a vez de Londres. A realidade parece não ser bem assim, pois Pequim continua aí e para a próxima será o Rio. Londres é assim uma espécie de intervalo no eixo de quem domina e quer dominar. Uma cerimónia confusa, mas ao mesmo tempo simples, (que isto de crise toca a todos) depois da demonstração, em Pequim, do axioma “manda quem pode”. E ela, a China, podia e pode.
E o que vimos? Não ontem, mas em Pequim? Que o imperador Chin está bem vivo governando sobre 1/7 da população mundial no segundo maior país, mostrando que quer e pode mandar no resto do mundo. Tudo centralizado, tudo perfeito, e executado não numa simbiose do que é diferente, mas numa vontade e pensamento únicos, comandado por quem está por cima, que vela e cuida de quem está por baixo. Não houve lugar a veleidades criativas. A muralha da China e a cidade proibida podem estar acessíveis ao cidadão, mas a muralha e a proibição continuam lá, onde sempre estiveram, no espírito e no pensamento do homem comum. Foi preciso vir Londres para apagar aquela visão orweliana, angustiante, terrível, duma uniformidade que impede qualquer veleidade individual. Foi o grito do Homem, da sua liberdade, da sua criatividade, da sua vulgaridade até, que vimos ontem. Uma imensa elegia à arte pop, que tanto deve a Londres. A Inglaterra não precisa dos jogos para mostrar que tem intelectuais e artistas responsáveis pela excelência das artes e das técnicas. Tem-nos de sobra e são suficientemente conhecidos para precisarem da publicidade de cerimónias de abertura. Tudo foi entregue ao povo e ao seu gosto, exaltando uma liberdade que também foi apanágio do seu contributo para a história do Homem. A Inglaterra, ao contrário da China, era já um exemplo de liberdade quando conquistou o mundo. A China prepara-se para o fazer, na cultura do esmagamento do indivíduo.
Não morro de amores pela cultura pop, mas gostei de ver Danny Boyle, sem pretensões pseudo intelectuais e sem hesitar, colocar um dos melhores maestros da actualidade, Sir Simon Rattle, a dirigir a Sinfónica de Londres numa interpretação de Chariots of Fire, um pop-classic de Vangelis suficientemente boring para necessitar do inimitável humor britânico de Mr. Bean (Rowan Atkinson) que acompanhou a orquestra sob a batuta do maestro principal da Filarmónica de Berlim, num magnífico solo de uma nota só. Tão enfadonha era a música que Bean adormeceu, sem deixar nunca de tocar, não conseguindo acabar ao mesmo tempo que o resto da orquestra, relegando para segundo plano o brilhante maestro. Mais uma vez o povo comum, simples e ignaro no topo. E se dúvidas haviam que Isabel II era já um ícone pop, ontem ficou claro que aquela rainha distante e acima do comum dos mortais, não passa de uma avozinha, com a casa cheia de “netos” que, excitados, vêm chegar James Bond para escoltar a velha senhora. Quando James Bond (Daniel Craig), nos aposentos da monarca, pigarreia para chamar a atenção da senhora, ninguém esperava que aquela velhinha sentada de costas a uma escrivaninha, que se volta para mirar de frente a câmara, seja a própria rainha e não uma sósia, e pelos corredores do palácio vemos já uma bond girl, que só os seus dorgis e corgis ainda reconhecem como a sua rainha. E é uma bond girl de 86 anos que sobe ao helicóptero sob o olhar aflito dos seus cães, para depois saltar de pára-quedas sobre o estádio, e nós queremos acreditar que ainda é a rainha que faz o salto para, minutos depois, fazer a sua aparição no camarote, não ao lado de um fulgurante Bond, mas de um príncipe já velho e desencantado, como se tivesse acabado de lavar a loiça e deitado os netos. Sem qualquer pompa, que a circunstância é popular. Uma auctoritas e uma gravitas reconhecidas na liberdade que nenhum mandarim de Pequim jamais alcançará, e que não teme perdê-las tornando-se numa pop star. Obrigado Danny Boyle por esta lição de liberdade.
E em Aleppo só há liberdade para fugir. Uma das mais antigas cidades do mundo, é património mundial da Unesco mas, infelizmente, não é esse o motivo porque esta semana foi notícia. Aleppo está a ser bombardeada, pondo em risco o património construído e outro ainda mais precioso, constituído pelos seus habitantes. Cidade antiga, situada no final da rota da seda, foi cobiçada por todos e mais alguns, desde os hititas aos cruzados, passando pelos mongóis. Não houve bicho careta desde o Atlântico às estepes da Ásia que não meteu lá o nariz. Se a rota da seda se desfez, para descanso dos habitantes de Aleppo, com a abertura do Suez, não tardou que outra rota passasse de novo pelas suas ruas: a do gás e do petróleo, tão necessário aos cruzados americanos como aos mongóis de outras estepes, que vêm o negócio fugir-lhes por entre os dedos das mãos como a areia do deserto onde caem as bombas. O povo adormecido acordou, dizem. Quem o teria acordado? Que não…, que ninguém foi o despertador da Síria a não ser o seu ditador. Estúpidos ditadores que não aprendem a escolher os amigos como os da outra terra arábica, muito mais opressores mas cujo povo, pelo visto, continua adormecido. Isto é, não tem ninguém que o acorde é o que é.
Ninguém dorme em Aleppo nem na Síria. É sabido que na estrada de Damasco a luz é forte e é preciso semicerrar os olhos para poder ver, cegando quem não o fizer. Hoje, com os olhos postos nessa estrada de Damasco, esperemos que ela nos ilumine e nos transforme, como há dois mil anos o mundo se iluminou e transformou.
E falando em acordar, parece que os arqueólogos perturbaram o sono profundo de Lisa del Giocondo. Ou seja, mais precisamente o seu esqueleto que dizem estar em notável estado de conservação e que agora poderão recriar-lhe as maçãs do rosto e verificar se condizem ou não com as bochechas da Mona Lisa do quadro: a Gioconda pintada pelo da Vinci. A futilidade dos ocidentais diverte-se com estes pormenores. Na falta de dinheiro para encomendar obras de arte a artistas, escarafuncham o cadáver do modelo de pintor. E se as maçãs (do rosto) não coincidirem com as do retrato? Marcharão sobre a pont neuf para tomar o cais do Louvre e dali assaltar as Tulherias? De uma coisa estou certo: a Gioconda, essa… continuará a sorrir!

3 comentários:

  1. Ainda dizem que a Rainha não devia de existir então não foi tão bom ver uma rainha de 8....anos saltar com o 007 de helicóptero como se fosse a coisa que ela faz todos os dias? Viva a liberdade não haja dúvida nenhuma.Era o que muitos chefes de estado deveriam de fazer para alegrar o povo era saltar de paraquedas e deixarem as bombas e os ossos dos mortos em Paz.Um amigo

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  2. mais interessante era esses dirigentes saltarem do avião, com uma bomba ás costas, e passarem imediatamente a fazer parte dos ossos dos mortos... :)

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  3. outra coisa não se esperava. basta ver os proms ou acompanhar a comédia britânica. já agora, viste o vídeo de boas vindas do presidente da câmara de Londres? fica o link:
    http://www.youtube.com/watch?v=zEDFMKjhLRw

    Pode ser uma futilidade mexer com o cadáver do modelo, e se as maçãs não coincidirem certamente não belisca em nada o valor da obra, mas quem sabe não nos ajuda a perceber mais sobre a forma de pintar e de pensar do da Vinci.

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